terça-feira, 6 de julho de 2010


O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se... e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Glória,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê-lo tão sozinho àquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali à sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!

Poema da Gare de Astapovo, do grandioso poeta das coisas simples.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Mudança


* Arte de Salvador Dali


Nunca acreditei que as pessoas pudessem mudar. Sempre achei que carregávamos algo imutável, uma espécie de essência, que nos acompanharia até o final. Também pensava que os almejos mais persistentes, aqueles que ordenam nossas ações e escolhas, de alguma forma concretizar-se-iam. E não era como destino, coisas premeditadas. Era uma realização livre, meio abstrata, com tantas maneiras de acontecer quantas conseguiríamos imaginar. Sem a prisão do relógio. Frouxa a dar-se a qualquer tempo, inesperadamente ou fruto de um longo trabalho.

Alguns diriam que isso é simplificar demais o complicado processo da existência. Que é subestimar os enigmas e desdobramentos da vida. Peço, entretanto, que não me culpem, pois é apenas a filosofia de um sonhador. A qual, tentando passar pelo funil de concreto, virou mais uma linda fábula infantil. E como eu gosto de fábulas.

Tenho uma opinião relativa sobre o tempo. Minutos, horas não seguem a regra dos ponteiros. São independentes e diversos em determinadas ocasiões. Algumas vezes, soam leves e indefesos, como o primeiro pingo da chuva. Em outros momentos, no entanto, pesam como enormes rochas, encurvando a postura de quem os carrega. Tenho medo de estar ficando corcunda.

Sinto-me transformada. Abriram a torneira da minha imaginação e ela está escorrendo. Tento inutilmente agarrar um bocado que me sirva de lembrança. Mas estou esquecendo, tornando-me estranha.

Vejo-me fraca. Aquele que era meu maior almejo, agora parece uma simples ilusão. E como ilusões são distantes. Sei que estou perdendo meus poderes de super-herói, enquadrando-me no meio da multidão. Comparo meus feitos antigos com o que tenho atualmente. Estou sem profundidade, superficial. Não mais posso mergulhar nos infindáveis diálogos, desfrutar do infinito da criatividade. Meu ato de escrever não passa de um movimento de caneta.

Queria, porém, meus longínquos vôos novamente. Cortar o fio que me prende à realidade e atravessar mundos, criar mais alguns. Queria sonhos-estrada, que outrora regularam meus dias nas minúsculas ações, transmitindo-me vitalidade. Queria alcançar os diversos territórios de minha alma e libertá-la, explorá-la, para encarar o espelho sem enxergar uma estranha. Queria ouvir minhas partes em sinfonia, como uma orquestra onde as unidades curvam-se diante do todo. Queria, enfim, somente um sonho. Puro, confiante, que me devolvesse o sentido.


sábado, 28 de novembro de 2009

Sempre tive muitos sonhos. Passava longos momentos a admirar a janela, a observar a estrada e indagar o que havia reservado para mim. Como os livros de fábulas, estava o futuro em minhas mãos. Escrevia-o diariamente em pensamento, e a ânsia por realizá-lo era a força que me levava adiante.

Nunca me preocupei com a frustração. Nem ao menos conhecia o significado de tal palavra. Sabia exatamente o que ia acontecer: tornar-me-ia uma escritora, minhas idéias e reclamações seriam ouvidas, moraria em Londres e desbravaria o mundo em inúmeras viagens. Acreditava nesses desejos tanto quanto nas estórias que me eram contadas. Todas com um surpreendente final feliz. A curiosidade e a expectativa faziam-me crer na vida como algo mágico, num Ser maior conspirando a meu favor, nas estrelas como olhos tímidos - mas sorridentes - a me acompanhar.

Era feliz assim. Costumava ouvir comentários otimistas sobre as minhas aspirações, e sonhava. Sonhava cada vez mais alto.

Certo dia, entretanto, numa manhã escura, uma tempestade destruiu o que eu tinha de mais concreto. Era o tempo, frio e implacável, incapaz de perdoar até mesmo a ingenuidade. Fiquei perdida no início, admirando as ruínas do meu castelo. De repente, os mesmos que outrora me apoiaram, agora afirmavam que tudo não passava de um delírio, que já era hora de eu abandonar as nuvens e encarar a realidade. Meu universo ficou vago e obscuro. Assistia aos sonhos e à criança que eu possuía se afastarem. Mas era duro dizer adeus.

As fotos e recordações daquela vida longínqua eles haviam queimado. Arrancaram meus brinquedos e menosprezaram meus contos de fadas. Contaram-me outros finais, nem sempre felizes. Tinham-me seqüestrado e eu desconhecia a maneira de voltar. As noites, antes recheadas de fantasia, traziam medo, angústia. As estrelas, tão numerosas em minha terra natal, recusavam-se a brilhar naquele novo céu. As cartas que eu mandava ao passado perdiam-se pelo caminho.

Era o destino rejeitando meu projeto de vida. Justo ele, em quem eu tanto confiava e por quem fora perdidamente apaixonada. Senti-me traída. Finalmente me apresentavam a Frustração, um ser cético e profundamente amargurado.

Hoje, ao olhar para trás, vejo uma menina cheia de desejos, dona de um mundo onde a magia e o real coexistiam. Vou ganhando liberdade e o direito de fazer escolhas, mas preciso aprender a enfrentar a descrença. Há sempre alguém pronto a achar defeito em nosos planos, a prever um amanhã insatisfatório. Não presto mais atenção a esses palpites. Afasto-me da opressão da sociedade resgatando minha antiga personagem. Ela ainda compõe meu espírito, é um porto seguro. Descobri que o castelo sou eu, e não apenas os sentimentos. E que por mais que os anos passem, eles nunca levarão meu olhar. Tenho uma defesa que nem séculos seriam capazes de anular: a imaginação. É com ela que reconstruo o futuro.


Dizem que de longe se vê melhor... Não sei se isso é totalmente verdade.
De qualquer modo, esta é a única perspectiva que ainda me resta.
O perto, repleto de sua cor e nuances, há muito virou memória.
Escreverei de uma vida distante, sonhos adormecidos, idéias estáticas.
Daquilo que um dia foi, e que ainda rende suspiros. Do passado, apenas.